O ambiente corporativo deixou o escritório e alcançou as nossas casas, os nossos horários de lazer, adentrou a nossa família. Tornou-se comum ver alguém respondendo mensagens de trabalho no meio do jantar com os amigos ou mesmo na viagem de férias. A flexibilidade de horários e locais de trabalho possibilitou, dentre outras mudanças, mais autonomia na forma de gerir as tarefas e alcançar os resultados. A tendência das empresas em fornecer maior transparência nas políticas e culturas das empresas, bem como as práticas de feedback, ampliaram a comunicação entre os indivíduos e forneceram mais ferramentas para se construir a experiência profissional e uma relação saudável com o trabalho.
O mundo corporativo tem olhado com mais atenção para as práticas de saúde mental e bem-estar no trabalho, o que é uma grande conquista. Ainda assim, as altas demandas, a grande competitividade, a imprevisibilidade do mercado, a resistência de diversas empresas a aderirem às boas práticas são alguns dos fatores que geram insatisfação no trabalho e sofrimento emocional. Além disso, a dificuldade para gerir o tempo, mergulhar no momento de descanso/lazer e a escassez de momentos de qualidade com família/amigos agravam a situação. Mesmo as empresas com políticas estruturadas de saúde mental, inclusão, comunicação e desenvolvimento pessoal ainda apresentam altos índices de exaustão dos colaboradores, rotatividade e impacto negativo do trabalho na vida pessoal.
Neste contexto, quais caminhos podem ser seguidos para aumentar a felicidade no ambiente corporativo? Como ampliar o senso de realização pessoal na vivência profissional?
O que é felicidade?
O conceito de felicidade foi bastante discutido nos últimos anos. Deixou de ser um termo usado apenas na vida comum e adentrou a Ciência, a Psicologia e o meio corporativo. Seu estudo deu origem a diversos outros conceitos na Psicologia, como bem-estar subjetivo, emoções positivas, sentido, engajamento, autorrealização, etc. Sinteticamente, ela pode ser entendida como um senso de satisfação, bem-estar e predomínio de emoções positivas, acrescido da vivência de um sentido ou propósito quando se está engajado em um contexto, relação ou tarefa.
Fatores externos e aspectos subjetivos podem intervir na experiência de felicidade. No âmbito psicológico e subjetivo, o modo como o indivíduo compreende suas vivências, seu posicionamento diante do mundo e sua dinâmica emocional interferem diretamente na percepção do índice de felicidade alcançado.
O que diria Sartre?
Segundo o filósofo Jean-Paul Sartre, todo ser humano visa o futuro (mesmo que imediato), almejando realizar seu ser por meio da vida concreta, das relações, do que está por vir. Ao agir e se relacionar em sua existência, o indivíduo elabora uma compreensão sobre o que o circunda e experimenta emoções diante dos diversos aspectos que o tocam. Uma complicação psicológica acontece quando esse futuro aparece impedido para o indivíduo, como se fosse inacessível. A extinção do sofrimento se dá quando esse alvo desejado se mostra possível, possibilitando uma vivência de viabilização.
Desejamos ser alguém, ser aquele que tem sucesso na carreira, ser aquela que é competente nas tarefas, ser quem alcançou boa condição financeira, ser quem viabiliza o sustento da família, etc. Cada um de nós tem um alvo, mesmo que possa não ter muita clareza sobre isso. Experimentar-se caminhando para este fim seria um estado considerado saudável dentro da Psicologia baseada em Sartre. O psicólogo existencialista busca, juntamente com o indivíduo, conhecer esse destino a que se dirige seu ser, refletir sobre essa dinâmica, redirecioná-la se necessário e, principalmente, abrir caminho para que ela se realize.
Buscando uma reflexão entre o conceito de felicidade e os escritos de Sartre, é possível pensar que a autorrealização e o bem-estar podem ser alcançados se o indivíduo experimentar-se caminhando para se tornar quem ele deseja ser. Em outras palavras, é preciso que a pessoa possa perceber-se avançando em seu projeto de realização pessoal durante o exercício das tarefas profissionais. O propósito da função profissional exercida precisa estar alinhado com o sentido almejado pelo indivíduo na sua realização pessoal.
Como exemplo, se o alvo pessoal é perceber-se como uma pessoa competente, as tarefas técnicas tendem a ser vivenciadas com mais satisfação, bem como treinamentos e aquisição de habilidades complexas. Diferentemente, uma pessoa que almeja ser reconhecida, ser vista, pode experimentar mais felicidade em tarefas com exposição ao público, interações com clientes e momentos de feedback.
Sucesso profissional nem sempre traz felicidade
A realização no ambiente corporativo deve integrar os aspectos técnicos e profissionais com os aspectos pessoais, relacionados à personalidade e subjetividade. Além disso, a missão da empresa precisa ser alcançada tanto quanto os propósitos dos indivíduos que a compõem. A integração entre esses aspectos é alcançada por meio de reflexões, diálogos, desenvolvimento de lideranças e planos de desenvolvimento que funcionem. Se houver abertura das lideranças, do time e da empresa como um todo, fica mais fácil de construir esse cenário. As empresas já possuem acesso a conteúdos e ferramentas capazes de medir e melhorar a saúde mental de seus colaboradores e o bem-estar no trabalho. Políticas e práticas estruturadas voltadas à chamada wellness (bem-estar, hábitos e políticas saudáveis) e desenvolvimento pessoal melhoram significativamente os níveis de felicidade no trabalho.
Quando o contexto corporativo tem pouca abertura para questões humanas e/ou nenhuma prática de bem-estar, mesmo assim, normalmente há alguma margem para que o próprio indivíduo seja capaz de alcançar melhorias, trilhando sua própria jornada, sendo agente de sua história. Autoconhecimento e capacidade de negociação são ferramentas importantes para que se possa arquitetar essa conjunção de fatores que compõem um contexto profissional saudável. Desde a mesa em que trabalha, passando pela ordem das tarefas do dia, as pessoas que estarão envolvidas nos projetos e clareza do propósito visado ao exercer a função profissional, cada aspecto pode ser pensado para intensificar a experiência de bem-estar que conduz a uma maior felicidade profissional.
Os ajustes necessários para o aumento da felicidade no trabalho podem ser simples em diversos casos. O mais importante – e talvez o mais difícil – é conseguir contemplar a missão, estratégia e metas da empresa, ao mesmo tempo que contempla o propósito/sentido e o desenvolvimento do indivíduo. O cenário mais valioso e almejado é quando essas duas coisas acontecem ao mesmo tempo, e não em paralelo. Pessoas felizes tornam as empresas mais produtivas. Empresas que promovem felicidade possuem colaboradores mais realizados. O sucesso profissional que visa apenas promoções de cargo e aumento de salário não garante felicidade nem realização pessoal. É preciso contemplar aspectos humanos e psicológicos para que a realização possa, de fato, acontecer.
Se esta conjunção não está sendo alcançada, há diversos profissionais especializados que podem ajudar. Não deixe de buscar sua realização pessoal por meio do trabalho. Sucesso profissional sozinho não traz felicidade. Ele precisa estar alinhado à sua subjetividade e suas emoções. Empresas de sucesso devem ser aquelas em que os índices de felicidade são tão altos quanto os demais números de seus êxitos.